quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Olá pessoas que nos leem!

Quem vos escreve é humcorpo- Dýânà, estou aqui pra falar sobre o blog UMA ESCRITA DO CORPO, que foi a realização do projeto independente entre dois artistas de Belo Horizonte. Lu Coelho e humcorpo-Dýãnà trocaram correspondências como uma dança de contato extracorpóreo e a longa distância no período de Abril de 2020 até Agosto de 2021.

Estas correspondências participaram como publicação no blog Mistura do Teatro Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais e serviram de texto base para gravação de podcasts no programa SESC convida que foi ao ar em julho de 2020. 


Encerramos essas correspondências com a publicação do “Soneto De Partida”, já disponível no blog, um poema escrito à quatro mãos.


Continuaremos desenvolvendo nossas escritas através do formato E-book, que estará disponível em breve nas plataformas digitais.



Siga-nos para mais informações 

Instagram: https://instagram.com/humcorpo?utm_medium=copy_link

www.luanacoelhogomes.com


 Soneto de partida


Carta de demissão? Carta de destruição?

Não consigo me despir sem dizer Adeus.

Estou aqui vendo o meu cursor piscar 

Sem saber o que fazer


Enquanto você escolhia música 

Eu tentava escrever alguma coisa

Me vejo distorcido na tela

Mal percebia que me comia para escrever


Senti, dias depois, as dores de tanto moer.

Solto fumaça, aspiro imagens

preenchi com vazio este espaço vago


E você sempre tão preocupade com a ortografia,

não compreenderia minha carta de despedida

e a transformou neste soneto de partida.


Lua &  Dy.


quinta-feira, 16 de abril de 2020

Querida

Recebo a sua carta como quem deseja uma taça de vinho. Mas nesses tempos de guerra invisível degustar um vinho se tornou uma travessia entre territórios inimigos.
Por aqui não faltam coisas, falta presença.
Danço o caos do vazio, sinto cada vez que a morte me convida a uma improvisação e que ela conduz o acontecimento. Por mais absurdo que seja, não tenho medo da morte. Dançar a morte manifesta o que tenho de mais humano. Sinto como sísifo, carregando a sua pedar morro acima todos os dias. E repito esse passo de dança, e repito, e repito. Como já disse Manoel de Barros: “Repetir, repetir, repetir... Repetir é um dom do estilo.”
Meu estilo é uma dança do delírio.
Delirar... ah sim! Deliro nessas palavras como quem delira ao dar piruetas em diagonal! Sou dançarino de mim mesmo, meu lirismo dança nessas frases que dedico a você. Sim, dedico essa dança da morte a tu, Dianna.
Desejo que receba essa carta de dança como quem degusta uma torta de biscoito de chocolate. Sinta que danço com você como a respiração e as batidas do coração que estão presentes em seu agora. Como um pequeno prazer da vida em tempos de distanciamento.
Todos esses dias quando acordo sempre me pergunto: o que vamos pensar sobre isso tudo no futuro?
Já não sei mais o que é futuro. Na verdade, tenho a sensação de que AGORA compreendo o que é medir o tempo.
Tempo de acordar, comer, falar, escutar, dançar...
Ah sim, a dança! Dancemos nessas palavras uma sagração ao outono! Nasci no outono e este com certeza é o que mais sinto em meu corpo. Sinto que tudo faz sentido no outono.
Como ciclo vital, sinto o tempo do agora pulsando em cada célula do meu corpo como que mapeando este território único que posso percorrer. Tenho vontade de traçar cartografias de mim mesma. Reteritorializar meu corpo, minha dança.
Fico pensando que talvez, se isso tudo passar, vamos reterritorializar nossas danças para além da Avenida do Contorno. Sim, essa cidade dá piruetas no mesmo lugar fazem muitos anos. Precisamos decolonizar nossos territórios, nossos corpos. Temos que nos apropriar de nossas estéticas de margem.
Quero traçar cartografias intelectuais da minha dança. Quero manifestar no corpo minhas próprias escrituras. Quero enviar cartas à quem me enxerga. Quero sentir gozar com minhas próprias mãos.
Sinto que ao te escrever gozo de mim.
  
 Nossas cartas me provocam.
Também não desejo respostas. As perguntas é que me movem.
Agradeço por dançar junto.
Agradeço pela janela aberta.

Lua no outono.

PS: Fico com a imagem do seu navio em pleno mar aberto. É sobre disso que se trata.

Lua gostaria de lhe escrever tantas coisas!

  Hoje ou ontem o dia não foi muito produtivo em relação ao que eu queria produzir. Quando, então, abri mão desta vontade, eu felizmente consegui fluir pelos sentimentos que me afetavam. São muitos, às vezes me perco e sempre me encontro na triste solitude, que de triste não tem nada.
O desejo às vezes se escapa de mim como um ladrão da policia, ele leva o meu animo nas mãos e me deixa perplexa em cacos soltos ao vento. 
As coisas estão começando a faltar isso tem ajudado o bandido.
 Tenho pensado muito em uma micropolitica do ser, onde me vejo questionando ações simples da vida. Assim me veio hoje o pensamento de produzir experiência, no campo sensorial ao qual me apeguei junto aos estudos em dança. Sendo assim permeio o vazio de um eu que não existe, uma forma de lingua que não se possa entender mas sentir, como diz em sua ultima carta, sinto um corpo desabitado e vou povoando de coisas sensiveis, sentidas por este corpo vazio ao ler suas palavras.
Dançei na chuva, ou melhor com a chuva! 
Essa escrita fluida me leva ao ser maior que tambem não pede passagem, se manifesta nas sutilezas da natureza ou de onde o vemos sem muita categorização.
Dançar o caos, o vazio, a tristeza e os fantasmas é na verdade viver ao meu modo. Nos encontramos aqui?
A escrita como uma forma de manifestação da pessoa, ou ideia, que nos tornamos com o passar dos dias, ela é o ponto de encontro que nossos corpos anseiam e assim se tornam extensão movimentos. Ir e vir!
Ir ao seu encontro e vir em busca de mim, este tem sido outro pensamento âncora dessa escrita.
Quero mesmo lhe escrever tantas coisas!

Hoje ainda chove, o café perdeu a graça espantosamente. Esperei por este momento de lhe escrever como se ele fosse uma torta de biscoito com chocolate, em tempos sombrios essa torta faz milagre.
Como dançar em conjunto estando separadas? como povoar o mundo vazio em si mesmo? como progredir em formas aritmeticas quando se tem apenas o desejo de saber? como responder aquilo que toca seu âmago? Não sei onde tantas perguntas se alojam em meu corpo, estranho corpo. Há algo nele para alem de mim, que não sei como agir.
Na dança nem sempre me permitem questionar o corpo que dança, pois as vezes ele esta tão formatado que não tem espaço pra mim. É apenas um corpo, me dizem como se fosse a respota secular. Não sei de onde tiram a ideia de corpo que coloca em movimento suas questões, mas com certeza ela não me cabe. Eles são os técnicos e fazedores da arte!

Espero que essa nossa ideia possa mudar ao menos nosso mundo!
Vou desenvolver minhas experiencias para lhe escrever, acho que elas podem ser sugeridas como respostas para o mundo que as gerou.
Amigo, perdoe me por tantas questões. Não é todo dia que alguem aceita conversar comigo.
Não sou pobre coitada, estou mais proxima de ser uma bruxa enjaulada no corpo do outro, do outro porque não é meu, o meu corpo é sem duvida uma festa onde o extase é fundamental.

Sabe tenho pensado muito sobre minha atuação em dança, mesmo no campo teorico onde poderia navegar com essas ideias. Vamos afirmar outras possibilidades!
Quando alguem se cala é considerado cumplice de um crime, não seriamos cumplices da regulação do gênero ao permitir sua atividade dentro da dança de forma inquestionavel?
Creio que a dança se eximiu deste posicionamento permitindo em sua maioria a visibilidade do corpo cisgênero. Embora ela não seja toda igual, a maior parte dos praticantes que conheço não percebem que a pratica esta pautada no gênero.

Creio que estas questões vão surgir em maior publico de agora em diante, creio que irão nos retornar como porblemas e assim poderemos criar alternativas. Espero estar errado.
São tantas coisas que quero lhe escrever, maior ainda e minha vontade de ler o que me escreve.

Não se preocupe em me responder, gosto dessas perguntas.
Podemos falar de outras coisas.
Obrigada por me deixar existir.

Abraços.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Primeira carta ou Carta de apresentação

O projeto


Uma escrita do corpo

Por Dianna Denner e Luana Coelho Gomes



No desejo de promover a reflexão sobre a necessidade de ações crítico-propositivas no campo das Artes do Corpo enquanto prática artístico-pedagógica  o projeto “Uma escrita do corpo” fala sobre a performatividade de gênero enquanto garantia de visibilidade de artistas-educadoras na produção de conhecimento artístico-científico, no objetivo de provocar e pesquisar a experiência dançante por meio da escrita e da fala diante da impossibilidade do encontro físico-afetivo.
De forma análoga ao que surge no encontro com o público no ato de dançar, es artistes-educadores se propõem a manter uma troca de informações, de desejos, estudos e criações a fim de possibilitar a construção de um saber conjunto sobre temas que permeiam suas experiências em arte e o contexto ao qual se encontram como professoras de dança em formação. Seguindo a lógica da carta como meio de comunicação entre duas pessoas em lugares distantes (uma vez que cartas já foram trocadas em diversos momentos da história entre pensadores e artistes renomades), as artistas deste projeto articulam sua prática de dança com a leitura da carta, pensando nas escritas de si como ponto de partida para a comunicação da experiência dos corpos envolvidos nesse desejo de encontro. Em uma tentativa de colocar os corpos em diálogo, mesmo distantes devido ao isolamento social, buscando elaborar um saber sobre dança por meio da palavra, onde poderão ser lidas por outras pessoas.

O blog “Uma escrita do corpo” propõe um questionamento das subjetividades, do imaginário constituído e determinado pelas relações sociais. Em busca de uma responsabilidade ética no que tange ao que se reconhece como humanidade e como consequência à padrões de dança, de corpo, de discurso e de criação de si, as cartas de dança são escritas no desejo de produzir conhecimento sobre gênero e sexualidade e enquanto performatividade do corpo que dança  e  que materializa as suas respostas sociais.


A partir da mensagem escrita do corpo, das mãos, do toque e do gesto as correspondências se estabelecem como senso queer (pausa) que marca um campo de conexão entre  alteridade e afetos. Uma afirmação da diferença como  aliança de liberdade dos corpos em isolamento. Mesmo que apenas livres no lirismo da escrita e nas narrativas de cartas de dança,  o que move no corpo é uma dança sutil, sensível e livre, uma escrita do corpo, uma escrita de corpos que se atravessam em caracteres, palavras e desejos de dança. As correspondências em articulação partilham interesses semelhantes sobre o corpo e o movimento dançado, onde gênero, sexualidade e construção de identidade são questionados pela vivência territorial de cada corpo. O que leva as artistas à investigação de si por meio da arte-educação é a busca de uma transgressão que possibilite o aprendizado do saber arte-vida intrínseco em suas vivências identitárias.


Como sobre-viventes, que mensagens queremos transmitir?


Qual será o novo paradigma humano?


Estes questionamentos direcionam caminhos de reflexão para as pessoas que se colocam a pensar e investigar a si mesmas neste momento de pandemia.


O projeto “Uma escrita do corpo” tem como ação principal a escrita, organização e manutenção de um blog, onde as artistas realizam publicações de troca de correspondência virtual por meio de endereço eletrônico.




Querida Dianna!

Ir de encontro... isso também é o que me interessa!

Estabelecer essa pausa para escrever-te como um paradoxo de movimento que meu corpo em isolamento me provoca a mover-me. Neste momento, tomo um chá de hibisco vermelho como o sangue que escorre do meu corpo como ciclo que me integra a minha natureza mais originária. Sim, sangro. E sempre é algo estranho de mim, que acontece apesar de mim...

Como paradigma existencial, feliz estou pela sua escrita que me conduz num passo de dança em rodopios em mim mesmo. Sim, minha escrita é masculina. Ainda não nominal, mas com vibração de sentir-te como um caractere que completa minhas palavras... Sentir-te feminina manifesta a minha tradução mais subjetiva de gênero literário. Talvez quem vos escreva seja um heterônimo, como fez Fernando Pessoa com suas personalidades poéticas ou talvez seja meu super ego, como diria Freud ou talvez seja apenas a minha dança no seu lirismo mais verdadeiro. Não quero dar gênero, nem estética, apenas fluo... Como um gênero fluido que não quer rótulos.

Ah, os segredos!

Linda Dianna, será que os segredos também são valiosos para com aquilo que nos faz manifestar? Será que os nossos sonhos são os nossos segredos ocultos? 

Sinto que neste isolamento danço o caos dos meus pensamentos. Dançar o caos é algo que pulsa no meu corpo com todos os seus circuitos. Como na dança butô que dançamos nossos fantasmas, medos, angústias. Sinto que o colapso é a minha rítimica para uma dança solitária que danço todos esses últimos dias. Danço a falta, o vazio e a espera.

Quero criar passos de dança com as palavras, já que meu corpo dançante não cabe neste espaço. Sinto-me como uma flor que quer nascer entre as ruínas de uma guerra invisível.

Sinto um corpo desabitado. E habito-me de suas palavras.

Desejo este encontro. Meu corpo deseja dançar o seu. Reterritorializar os afetos, o toque e o olhar.

Esse projeto para mim é um movimento que pulsa.

Sinto você comigo. Segura a mão?

Boa lua minguante para ti.

Lua.